"Cinema Queerité", do jornalista Ademir Corrêa, inspira-se no ilustre documentário de Jennie Livingston, lançado em 1990
Há doze anos, "RuPaul's Drag Race" ia ao ar pela primeira vez. Comandada pela supermodelo e drag queenRuPaul Charles, recorrentemente ladeada por três ou quatro jurados, ela julgava as participantes em diversas categorias até que uma se sobrassaíse e conquistasse o grande prêmio da competição. Para os menos desavisados, a referência era clara: a cultura ballroom havia chegado à televisão e a fonte primordial era uma só: "Paris Is Burning", o documentário dirigido por Jennie Livingston e lançado em 1990.
A produção aborda os bailes organizados a partir da década de 1960, frequentados por afro-americanos e latinos, muitos deles homens gays, mulheres trans e travestis. Agora, o filme é revisitado pelo jornalista Ademir Corrêa, que faz uso da obra para discutir a construção de gêneros e identidades na comunidade LGBTQIA+ em seu livro "Cinema Queerité – Gêneros e Identidades no documentário Paris is Burning", da Paco Editorial.
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A publicação surgiu a partir de uma dissertação de Corrêa, que é mestre em comunicação especial pela Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, além de Diretor de Conteúdo Digital no Grupo Perfil Brasil, orientada pela professora doutora em cinema Bernadette Lyra, que abordou a luta pela visibilidade de corpos e gêneros (construídos) e desfilados na boate Imperial Elks Lodge, no Harlem, em Nova York, hoje convertida em uma igreja messiânica. Eram homens e mulheres negros e negras, latinos e latinas, travestis e drag queens, que viviam em um contexto altamente repressivo e encontravam-se verdadeiramente nesse espaço.
"Cinema Queerité" não é um livro sobre "Paris Is Burning" - que até hoje inspira não só "RuPaul's Drag Race", mas produções como "Pose", da FOX, e o reality "Legendary", do HBO Max -, mas sobre arte de resistência, liberdades individuais, luta contra o preconceito de todo o tipo e, principalmente, as identidades que marcaram o período. “Uma cena ambientada naquele momento histórico e que hoje renasce nas periferias e cidades brasileiras. Isso acontece no momento em que estes mesmos grupos excluídos voltam a ser ameaçados”, afirma André Fischer, diretor do Centro Cultural da Diversidade, em São Paulo, e criador do Festival Mix Brasil, que assina a orelha do livro.
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"No começo do filme tem uma frase dita na rua, ao sabor da madrugada, que me chamou muito a atenção. Um dos entrevistados fala: ‘Eu me lembro do meu pai dizendo... Você tem três problemas. Todo negro tem dois: ser negro e ser homem. Mas você é negro, é homem e é gay. Você vai sofrer muito’. Esta cena me arrebatou de tal maneira que não conseguia pensar em nada exceto nestas existências ameaçadas e não celebradas, nestes filhos sem pais que só pediam por respeito e amor”, recorda Corrêa sobre a sua relação com a obra.
"Paris Is Burning" também inspira a capa de "Cinema Queerité", feita por Luan Zumbi, artista-ativista paulista, que discute a aceitação e a inclusão em suas obras. Para o trabalho, reinterpretou o cartaz do filme, estampado por Octavia St. Laurent, uma das protagonistas do longa, que sonhava em ser uma modelo profissional e encaixar-se na sociedade, casar e ter filhos, desejos que pareciam impossíveis para ela.
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"Cinema Queerité" está disponível na loja Barra Funda Autoral (Rua Barra Funda, 935 - Barra Funda - São Paulo, que atende com hora marcada entre 14h e 22h de terça a domingo), com a renda obtida revertida para o CATS - Coletivo de Artistas Transmasculines. O livro também pode ser adquirido no site da Paco Editorial e, em breve, no site da Amazon.
Além disso, durante todo o mês de fevereiro, acontecerão lives semanais com convidados especiais para o lançamento de "Cinema Queerité". Nesta sexta-feira (19), o convidado é Filipe Catto, que discutir a obra com Corrêa, além de fazer um pocket show especial com um setlist surpresa. O evento rola no Instagram do artista (@filipecatto), a partir das 19h.