Através da comédia, "Vale Night", com Linn da Quebrada, traz olhar necessário sobre as favelas - Divulgação/20th Century Studios
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Através da comédia, "Vale Night", com Linn da Quebrada, traz olhar necessário sobre as favelas | #CineBuzzIndica

Filme, que estreia nesta quinta-feira (17), coloca a criminalidade de lado e foca na cultura e no sendo de comunidade nesses espaços

Henrique Nascimento | @hc_nascimento Publicado em 17/03/2022, às 13h30

Se você topar com alguém de uma cidade pequena, ela pode te dizer que, de onde vem, se uma criança sai para brincar na rua, os pais nem precisam se preocupar, já que todo mundo nas redondezas vai cuidar dela. Na favela, é a mesma coisa e falo por experiência própria: sempre que minha mãe me deixava sozinho para trabalhar, ela sabia de tudo o que eu havia feito durante o dia, tanto as boas - como ficar em casa, como ela havia pedido - quanto as ruins, dignas de uma bronca à noite.

É o que nos leva a chamar esses espaços de comunidade - e não um nome "gourmet" para fugir de chamar favela pelo nome. É o senso de união, mesmo que não haja um sentimento de amizade. É o zelo pelo outro. Esse é o norte de "Vale Night", que chega aos cinemas nesta quinta-feira (17).

Acima de tudo, o longa é uma comédia - e das mais autênticas vistas saindo recentemente do forno de produções nacionais do gênero. Na história, a jovem Daiana (Gabriela Dias) parou a sua vida após engravidar na adolescência. Agora mãe, ela parou de estudar e também parou de se divertir, como outras jovens de sua idade, com medo de deixar a responsabilidade pelos cuidados do filho para Vini (Pedro Ottoni), o pai um tanto relaxado da criança.

Por insistência da mãe, no entanto, Daiana decide pegar um "vale night" e ir curtir com as amigas. O que ela não sabia é que, enquanto se preparava para ir para a Batekoo, uma tradicional festa de cultura negra, Vini perderia a criança enquanto curtia na favela e, antes que a namorada descobrisse o que havia acontecido, precisaria encontrá-la, com a ajuda de Pulga (Linn da Quebrada) e Linguinha (Yuri Marçal), de preferência sã e salva.

Quando digo que "Vale Night" é uma comédia autêntica, quero dizer, na realidade, que ela se difere do que costumamos ver. Em primeiro lugar, ela se passa inteiramente dentro da favela e - pasmem! - o foco não é a criminalidade. Esse é o ponto mais atrativo do filme: mostrar que favela não é só o crime, o tráfico de drogas e outras mazelas reproduzidas incansavelmente em filmes, séries, novelas etc. A favela também representa família, cultura, trabalho e diversão. 

Outro ponto bastante interessante é o fato de que o elenco é majoritariamente formado por pessoas negras, algo que também pouco se vê nas comédias nacionais (ou em qualquer outra produção, por assim dizer). É uma discussão muito mais profunda do que me atreveria a chegar neste texto, mas por muitos anos, atores e atrizes negros eram contratados para três tipos de papéis: escravos, em produções de época; empregadas ou criminosos. E as coisas não mudaram muito.

Portanto, é um refresco assistir a um filme - especialmente uma comédia, gênero que ainda teima em se utilizar de esteriótipos para fazer "humor" - que entretém e ainda traz representatividade e a discussão sobre problemas sociais importantes, como abandono escolar e relacionamentos familiares, sem nunca perder a diversão.

Porém, "Vale Night" nem sempre foi assim. Baseado em um roteiro original de Ian Deitchman e Kristin Rusk Robinson, de "As We See It", que também rendeu o alemão "One Night Off", o filme, inicialmente, seria ambientado durante uma edição do Lollapalooza e com jovens de classe média, como nos revelou o diretor Luís Pinheiro, em entrevista ao CineBuzz:

"A gente transformou bastante o roteiro do 'Vale Night' pra ele chegar no filme que ele chegou. Era um roteiro classe média, branca, onde o menino perdia o bebê no Lollapalooza. A gente teve a ideia de fazer esse filme com heróis pretos, que não tratava de violência, que não tratava de tiro, porrada e bomba. É um filme que trata de formação de família", explicou.

A produtora Justine Otondo foi uma das pessoas que ajudaram na mudança: "A gente comprou esse roteiro em 2015, se não me engano. A gente tinha acabado de lançar um filme chamado 'Superpai', com o Danton Mello, que tinha a premissa muito parecida. Quando a gente começou a adaptar o roteiro aqui pro Brasil, a gente se ligou que já tinha contado essa história e com um elenco todo branco e a gente já tava com um questionamento interno de querer ampliar e de querer dar voz e vez para outras pessoas", relembrou na entrevista

"inha um universo todo que a gente não estava usando na cinematografia brasileira. Então, por que não transferir toda essa comédia romântica para a comunidade?", acrescentou Justine. "E aí a gente simplesmente informou o estúdio que a gente ia mudar o filme. A gente não deu chance para que eles dissessem não. E ficou infinitamente melhor o filme. Eu espero que ele abra as portas para milhões de outros filmes como esse."

Pedro Ottoni, o protagonista do longa, comemorou a visão adotada pela equipe: "Eu espero que 'Vale Night' sirva de exemplo para a galera entender que na favela tem várias pessoas, com várias histórias e com várias vivências. Por isso, dá para fazer filmes de todos os gêneros. Se você quiser fazer um filme de terror na favela, você vai conseguir. Comédia, romance, ação", declarou.

"Que as pessoas vejam que a favela não tem só tiro, morte, gritaria pra todo lado. Não, não é só isso. Favela são várias vidas, muita pluralidade na favela. É exatamente isso que a gente quer mostrar com o 'Vale Night'. Essas pessoas felizes, que vivem, que dançam, que cansam, que têm filho, têm responsabilidade também", complementou a colega Gabriela Dias.

"Vale Night" já está disponível nos cinemas de todo o Brasil. Assista ao trailer da produção a seguir:

 


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