Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, novo filme de Pedro Almodóvar está na programação do Festival do Rio 2024; leia a crítica
Publicado em 05/10/2024, às 11h00
Tornou-se comum, na comunicação, tratar câncer como uma guerra. "Luta" e "combate" são termos frequentemente associados à doença, em uma analogia de bem contra o mal, em que um lado sempre vai ganhar e o outro sempre vai perder: o doente, na forma do bravo e benéfico herói, ou a doença, como a maléfica vilã. Mas se o herói sucumbe ao vilão, foi por que não lutou o suficiente?
O questionamento é levantado por Martha Hunt, personagem de Tilda Swinton (A Voz Humana) em O Quarto ao Lado, novo filme de Pedro Almodóvar (Dor e Glória, Mães Paralelas), que desembarca no Brasil para a 26ª edição do Festival do Rio, após levar o Leão de Ouro, principal honraria do Festival de Veneza, em setembro passado.
Repórter de guerra durante toda a vida, Martha é diagnosticada com um câncer terminal e, por mais que o seu instinto inicial fosse o de baixar as armas e apenas se render ao seu destino, ela decide enfrentar as desvantajosas batalhas contra a doença, que prova ser mais forte do que ela. Mas por quê? Por que Martha não lutou o suficiente?
Nesse meio tempo, a jornalista se reconecta com uma antiga amiga, a escritora Ingrid (Julianne Moore, Para Sempre Alice), e a convida para estar nas trincheiras, em sua companhia, quando decidir enfrentar, verdadeiramente, o seu inimigo e tirar a própria vida.
Amedrontada pela morte, que tenta entender a todo custo, Ingrid recusa o convite da amiga, em um primeiro momento, mas resolve aceitá-lo quando se convence de que, em sua companhia, pode tentar fazer com que Martha mude de ideia.
Ovacionado por quase vinte minutos após a sua estreia no Festival de Veneza, O Quarto ao Lado é uma história sensível e emocionante sobre recuperar o controle da própria vida em uma situação que parecia não ter mais remédio. Quando se vê sem saída, Martha se recusa a partir desta vida em "uma angústia lancinante", como ela mesma define, e resolve derrotar o câncer antes que ele a derrote.
O longa também é uma lição para Ingrid, que estudou e, até mesmo, escreveu livros sobre a morte, sem nunca compreendê-la em sua totalidade. Por que algo precisa morrer? Não há uma resposta precisa para isso, mas o tempo com Martha, no quarto ao lado, faz com que Ingrid perceba que "há diversas formas de viver dentro de uma tragédia", como afirma a escritora, e embora a morte seja inevitável, escolher morrer é empoderador.
Primeiro longa-metragem de Almodóvar totalmente em inglês, a novidade pode causar certa estranheza para os mais familiarizados com a obra do cineasta espanhol, que parece mais comedido, embora ainda possa ser reconhecido, principalmente em sua trilha sonora, responsável por acrescentar pitadas de comédia e até mistério à história.
Porém, o que vale destacar na nova empreitada de Almodóvar é o seu cuidado com as palavras. Seja por trazer uma jornalista e uma escritora como protagonistas, ou por não estar em sua primeira língua, o cineasta trata cada linha do roteiro com esmero, trazendo o refinamento que faz de O Quarto ao Lado uma grande obra de arte.
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