Filme do estreante Panah Panahi terá exibições presenciais e virtuais na 45ª edição da Mostra de SP
Fazer cinema no Irã é uma tarefa de coragem. Nos últimos anos, cineastas como Asghar Farhadi ("A Separação") e Jafar Panahi ("3 Faces") foram censurados e proibidos de deixar o país após críticas ao governo. Ambos chegaram a ser proibidos de filmar e, mesmo assim, nenhum deles parou de trabalhar. Jafar foi até mais ousado que o conterrâneo e dirigiu “Isto Não é um Filme” - o título sarcástico não é à toa - documentário todo feito dentro de seu apartamento no qual Jafar vira personagem e denuncia - nas entrelinhas - o seu isolamento.
Muito do cinema iraniano que atravessou mares e fronteiras para chegar até aqui é fruto da coragem de cineastas como Abbas Kiarostami, Majid Majidi, Mohsen Makhmalbaf e o já citado Jafar Panahi, pai de Panah Panahi - estreando como diretor neste “Pegando a Estrada”. Com tanta autoria neste cinema que se reinventou artisticamente para enfrentar as represálias que os cineastas sofreram - e ainda sofrem -, é gratificante observar como Panah se apropria de artifícios constantes nos filmes de seu país, como os planos abertos, o filme de estrada, a criança carismática, o final para o público ruminar, e já impõe sua assinatura.
Na história, acompanhamos uma família formada por pai, mãe, dois filhos e um cachorrinho doente a caminho de um lugar que nunca nos fica claro onde é. Inclusive, Panah ousa em uma narrativa na qual pouca coisa fica clara. O pai (Hassan Madjooni) está com a perna engessada, mas a própria esposa (Pantea Panahiha) duvida dele. O filho mais velho (Amin Simiar) conduz o carro em constante silêncio. A mãe sorri entre lágrimas. Qual será o motivo? Conforme a viagem se aproxima do destino final, vamos entendendo que a família está acompanhando o filho em uma jornada importante.
Ainda assim, muita coisa nos é ocultada. Somos para Panah o que o filho mais novo (Rayan Sarlak) é para a família. Tão agitado e cheio de energia quanto o garotinho de “Dez”, de Abbas Kiarostami, ele não enxerga a dolorosa verdade por trás de uma despedida que vai ficando cada vez mais próxima. Para ele, o importante é ficar com o seu celular - logo tomado e escondido pela mãe -, rabiscar a janela do carro e viajar até o espaço nas histórias que o pai lhe conta.
Durante essa jornada, a fotografia de Amin Jafari - que trabalhara com o pai Panah no também road movie, “3 Faces” - explora as mais belas paisagens do Irã rural e montanhoso, criando vários quadros que mereceriam um pause e bons minutos de contemplação. São tantos momentos mágicos que, em um deles, durante uma conversa franca entre pai e filho mais velho, às margens de um rio, um bando de pássaros e um forte vento adentram o quadro como se tivessem sido estrategicamente convidados.
Momentos como esse dão a “Pegando a Estrada” algo de cinema fantástico e implementam a trama com um artifício sem precedentes no cinema iraniano mais contemporâneo. Em outra cena de beleza ímpar, pai e filho mais novo compartilham uma "ida ao espaço". Mãe e filho mais velho também têm seu momento íntimo quando compartilham um cigarro e ela lhe pergunta qual o seu filme favorito. Há tanta estima entre os personagens que quase nos vemos obrigados a pedir licença para entrar naquele carro e pegar carona com eles.
Acompanhar aquela família em silêncio dentro de uma sala de cinema deve ser a experiência perfeita, pois pouca coisa fica evidente em “Pegando a Estrada”. E isso pouco importa. Certa vez, Abbas Kiarostami afirmou que acreditava no espectador para que seus filmes ganhassem mais possibilidades. Para o cineasta, esse cinema “sem fim” poderia ser completado pela criatividade de cada um. “Pegando a Estrada” exige tal criatividade do espectador.
Ao final, o filme de estreia de PanahPanahi é uma experiência cinematográfica que pode ser resumida como uma fuga daquele Irã que estamos acostumados a ver e que muitos cineastas do país já nos mostraram. Por mais que a dor da despedida e do que ficou pra trás também seja companhia daquelas personagens, Panah nos poupa, como pode, do mesmo sofrimento delas, entregando um filme cheio de afeto e belíssimas passagens. Que bom que ele chegou até nós.