Inspirado na obra de Drauzio Varella, o filme propõe reflexão sobre o sistema penitenciário brasileiro
Imagine testemunhar situações de extrema violência, ter sua integridade física ameaçada, enquanto enfrenta a falta de segurança, estrutura, a corrupção em seu local de trabalho e, às vezes, encerrar sua jornada após se tornar refém de criminosos. Esse é o dia a dia de alguns dos carcereiros das penitenciárias do Brasil, que infelizmente já testemunharam momentos trágicos da história do país, como o massacre do Carandiru, em 1992, em que 111 presos foram executados pela polícia paulista.
Com o intuito de jogar luz sobre a rotina arriscada desses profissionais, que ainda é pouco conhecida por grande parte da população, “Encarcerados” chega aos cinemas também para desmistificar a visão hollywoodiana de como é trabalhar no sistema carcerário brasileiro e mostrar algumas das dificuldades enfrentadas por eles.
Gravado em oito penitenciárias de São Paulo, o filme mostra a rotina das pessoas que trabalham como carcereiros, que observam atentamente e diariamente os elos entre o Estado e o crime, dentro e fora dos presídios. O longa chega como a parte final de uma franquia baseada na obra “Carcereiros”, lançada em 2012 pelo médico Drauzio Varella. A história inspirou também a trama da série e do longa ficcional homônimo estrelado por Rodrigo Lombardi.
Agora em formato documental sob as lentes dos diretores Pedro Bial, Claudia Calabi e Fernando Grostein, a produção propõe uma nova reflexão sobre o sistema penitenciário brasileiro, desta vez através sob a ótica de quem já passou por situações de terror convivendo entre os presos. Apesar de chegar quase três anos após o início do projeto, Bial garante que o produto não perdeu o caráter atual e de urgência, e garante que a realidade exposta “não só não permanece igual, mas ela se agravou”.
“Acho importante a gente mostrar o drama dos agentes penitenciários porque mostra como não funciona o sistema atual. É um sistema que enxuga gelo tentando erradicar as drogas pela via da oferta, ao invés de erradicar pela via da demanda. O que significa um sistema prisional lotado, que prende mais que sua capacidade de prender. E ao prender mais do que sua capacidade, ele deixa de reabilitar e isso é uma coisa fundamental. Está se criando uma bomba relógio”, afirma Grostein.
Segundo dados obtidos pela Folha de S. Paulo, sãohoje 216 mil pessoas distribuídas por 176 unidades do estado. São nas celas superlotadas, onde habita uma significativa parcela dos habitante que a sociedade optou por ignorar.
“Eu acredito na tese de que jogar luz nos cantos escuros da sociedade é importante. A informação e o conhecimento libertam”, prossegue Fernando. “Acho importante mostrar o dia a dia dos agentes penitenciários, assim como o dia a dia dos detentos para as pessoas entenderem o que se passa dentro do presídio. Hoje em dia a gente está vivendo um momento no Brasil que é muito comum as pessoas falarem assim, ‘tem que prender e arrebentar’, mas não param para refletir o que isso significa. A cadeia não é feita apenas para punição, é feita para habilitar. A conta não fecha. O estado tem que gastar mais em educação, do que em detenção.”
Para retratar as histórias, é necessário também entender o contexto em que ela está inserida, isto é, como o massacre dos 111 presos no Carandiru influenciou e deu força para que o crime organizado comandasse os presídios do país. A produção resgata memórias do dia que marcou a história do Brasil, reunindo relatos de quem vivenciou a tragédia ao lado dos detentos no dia 2 de outubro de 1992.